O Brasil foi cobrado no Conselho de Direitos Humanos da ONU, na última sexta-feira, para intensificar o combate à desigualdade e à discriminação contra a população negra – que corresponde a 54% dos brasileiros, segundo o IBGE.
Boa parte dos comentários veio de países africanos ou de maioria negra, como Ruanda, Namíbia, Haiti, Senegal, Botsuana e Bahamas. Eles foram feitos durante sabatina da Revisão Periódica Universal do Brasil, em Genebra (Suiça) e serão divulgados em um relatório da ONU nesta terça-feira.
Essas nações pediram providências do governo brasileiro para a redução dos homicídios contra jovens negros, garantia de liberdade religiosa, melhora ao acesso a educação de qualidade pela população afro-brasileira, proteção e garantias de direitos para mulheres negras e mais acesso a políticas de redução da pobreza e acesso a programas sociais.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, a ministra Luislinda Valois “reconheceu as dificuldades enfrentadas no país e apontou esforços e vitórias do governo no intuito de preservar o espírito de engajamento construtivo do sistema internacional de direitos humanos”.
“Assumo desde já meu compromisso de trabalhar em estreita coordenação com os parceiros governamentais e não governamentais pela plena implementação das recomendações da Revisão Periódica Universal”, afirmou Valois no encontro.
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A revisão acontece a cada quatro anos e meio e, desta vez, reuniu 246 recomendações feitas por 103 delegações de países-membros das Nações Unidas.
Nessas revisões, após a leitura de dossiês preparados por Nações Unidas, governo do país avaliado, movimentos e organizações sociais, representantes de países na ONU fazem uma série de sugestões e comentários para a nação sabatinada. O Brasil pode aceitar ou não as recomendações.
O Brasil se comprometeu a avaliar as recomendações até setembro, quando acontece a 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos.
Além do racismo, temas como violência policial, tortura, más-condições em presídios, discriminação contra indígenas, mulheres, população LGBT e proteção a crianças também foram abordados nas recomendações feitas ao Brasil.
Racismo
Mas o que dizem países negros e africanos sobre discriminação racial no Brasil?
A Namíbia pediu “medidas para a prevenção de violência e discriminação racial contra afro-brasileiros” e medidas para a “erradicação da discriminação contra mulheres de origem africana”.
O país também pediu “proteção ao patrimônio cultural negro no país e a espaços de adoração”, como centros de umbanda e do candomblé.
De acordo com o relatório apresentado em abril pelo Alto Comissariado da ONU, a relatoria “mostrou preocupação com relatos de abusos, intimidação, discurso de ódio e até atos de violência contra membros de religiões afro-brasileiras, inlcuindo vandalismo contra espaços de adoração, queima de templos e profanação de símbolos religiosos africanos”.
Já as Bahamas – conjunto de ilhas que fica entre Cuba e Estados Unidos e tem mais de 90% da população formada por descedentes de africanos – pediram que o Brasil encontre estratégias para reduzir as mortes por armas de fogo, “particularmente entre a juventude negra”.
Segundo o relatório apresentado pela ONU, nos 56 mil homicídios anuais no Brasil, 30 mil vítimas tinham entre 15 e 29 anos e 77% delas eram homens negros.
O Senegal pediu “promoção dos direitos de comunidades afro-descendentes, em particular os direitos das crianças”.
Entre as recomendações feitas pelo Haiti estão “tomar todas as medidas necessárias para reduzir as taxas de mortes contra homens negros, particularmente por meio de programas educacionais robustos adaptados às necessidades desta população”.
O Haiti também pediu “melhora na qualidade da educação pública, particularmente para aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza, como os afro-brasileiros”.
A África do Sul reconheceu avanços da Política de Promoção da Igualdade Racial, com a implantação do Sistema de Igualdade Racial, e citou o programa Bolsa Família, apontando seu benefício à educação.
Botswana pediu “garantias de igual acesso a afrobrasileiros a medidas de redução da pobreza e benefícios sociais, como formas de proteger seus direitos fundamentais”.
Segundo o relatório sobre o Brasil apresentado pela ONU, 70,8% dos 16.2 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza são negros”.
Questões sobre desigualdade racial também foram levantadas por outros países europeus, asiáticos e americanos.
Tortura, violência policial e presídios
A situação dos presidios brasileiros (formados em 61,6% por negros, segundo o governo) e a violência praticada por agentes da polícia (as principais vítimas são homens negros e pobres, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública) também foi destacada por países-membros da ONU.
Se somadas, as recomendações contra a discriminação contra negros, a violência policial, a tortura e a situação carcerária formam a maioria das sugestões dadas ao Brasil na reunião.
Ruanda pediu medidas para prevenir abusos de forças policiais, “incluindo treinamentos em direitos humanos”. Botsana pediu investigações contra abusos como forma de reduzir violações.
Angola, Argélia e Cabo Verde pediram melhoras nas condições do presídios e redução da superlotação.
Segundo o relatório elaborado pelas Nações Unidas, “mulheres e meninas descendentes de africanos são as principais vítimas de violência e ocupam a maior parte dos postos de trabalho sem especialização e da população carcerária”.
A ministra dos Direitos Humanos se comprometeu durante o encontro a reduzir em 62 mil presos a população carcerária nos próximos 3 anos (há 622 mil presos no país, segundo o Ministério da Justiça).
A promessa foi avaliada com ceticismo por organizações e movimentos sociais.
“Essa promessa não dialoga com o tamanho dos desafios do sistema prisional. O Brasil prende cerca de 40 mil pessoas por ano, ou seja, quando a ‘meta’ anunciada for cumprida, o país já terá prendido outras 120 mil”, disse Camila Asano, coordenadora do programa de Política Externa da ONG Conectas.
A Anistia Internacional também criticou as respostas do país na sabatina.
“No Brasil há, em geral, uma grande lacuna entre o discurso das autoridades, as leis e os programas que existem e o que é implementado na prática. Os compromissos assumidos pelo Brasil diante do Conselho de Direitos Humanos no processo de Revisão Periódica Universal não podem ficar apenas no papel, como aconteceu majoritariamente com os compromissos assumidos no último ciclo em 2012”, avaliou Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia.
Mulheres, indígenas, crianças e população LGBT
Além das questões ligadas à população negra no Brasil, recomendações sobre os direitos de mulheres, indígenas, crianças, gays, lésbicas, bissexuais e transexuais também foram feitas pelos países presentes.
A violência contra mulheres e sua subrepresentação em cargos de poder no governo e em empresas foram destacados pela ONU e pelos países presentes na sabatina.
Suíça, França, Islândia e Uruguai pediram atenção à defesa dos direitos reprodutivos da mulher, incluindo a regulamentação do aborto.
Realizada cinco dias após um ataque no Maranhão contra indígenas da etnia Gamela, que deixou mais de 10 feridos, dezenas de países pediram rigor na demarcação de terras e da proteção física e cultural de povos originários.
Durante a sessão, a ministra de Direitos Humanos disse repudiar a violência contra os povos indígenas e afirmou que o governo busca diálogo para garantir demarcações.
Os países também pediram rigor contra assassinatos, perseguição e discriminação baseadas na orientação sexual e no gênero – a Suíça destacou a transfobia como um problema no Brasil.
Países como Israel, Colômbia e Finlândia pediram leis para a defesa desta população contra a discriminação.