Segundo organização, apenas de janeiro a abril deste ano, 18 pessoas morreram por armas de fogo na Maré.
Cerca de quatro mil pessoas, pelos cálculos da organização, participaram na tarde desta quarta-feira (24) da Marcha Contra a Violência na Maré, que percorreu ruas de seis das 17 favelas que compõem o complexo.
O ato, que durou aproximadamente três horas e foi organizado pelo fórum “Basta de Violência! Outra Maré é Possível”, reuniu moradores, artistas, lideranças comunitárias, lideranças religiosas, estudantes, comerciantes e moradores de outras áreas da cidade, para denunciar a escalada da violência no complexo de favelas.
Segundo o fórum, apenas de janeiro a abril deste ano, 18 pessoas morreram por armas de fogo na Maré, em decorrência de operações policiais e disputa entre grupos rivais. O número já supera a quantidade de mortos ao longo de todo 2016, que somou 17 vítimas.
O Complexo da Maré é uma das regiões mais afetadas pela violência no Rio. De janeiro a maio, das 44 escolas que funcionam na comunidade, 34 já fecharam por causa de tiroteios. Pelo menos 13 mil alunos não puderem se quer ir pra aula. Foram 28 dias sem aulas.
Quem precisou de atendimento médico, também sofreu. Foram 20 dias sem posto de saúde. Na quarta-feira, moradores pediram socorro. Foram pra rua, em uma marcha pela paz.
“A sociedade não vê o morador de favela como um sujeito de direito à segurança pública, mas como ameaça. A violência vivida na Maré é transversal a toda a cidade, mas as favelas, em geral, se tornaram o território privilegiado para a guerra. Acredito que é possível construir uma política de segurança muito mais inteligente, que poupe vidas”, diz Shyrlei Rosendo, mestre em Educação e Política Públicas, pesquisadora, moradora da Maré e integrante do fórum.
A marcha partiu de dois pontos de concentração: um no Parque União e outro no Conjunto Esperança. Os dois grupos de manifestantes se encontraram num local conhecido como divisa – ponto de bastante disputa entre facções rivais.
Ali, foi lida a carta política do ato, artistas da Maré fizeram apresentações musicais e de dança, e mães que perderam seus filhos para a violência deram seus depoimentos. Foi o caso de Dilma Xavier Galdino, mãe de Davison da Silva, de 15 anos, morto quando saía para ir à padaria, na favela Parque União.
“É importante que todos vejam o que acontece aqui, a violência que nós vivemos, inclusive a dos policiais”, afirmou.
Um grupo de mães de Manguinhos empunhando cartazes com os rostos dos filhos também estava presente. As visíveis marcas de tiros na fachada de um prédio localizado na divisa, onde o ato terminou, foram preenchidas por flores.
Alunos das escolas da Maré que ficam no trajeto por onde a Marcha passou se uniram ao ato, segurando faixas e cartazes onde pediam o direito à vida e o fim do preconceito com os moradores de favelas. Na Rua Ary Leão, local onde ocorrem muitos tiroteios, moradores e artistas deitaram no asfalto, simbolizando as vítimas dessas disputas.
Entre os atores presentes, estavam Caio Blat, Enrique Díaz, Mariana Ximenes, Maria Luísa Mendonça, Mariana Lima, Patricia Pillar, Zezé Polessa, Beth Gofman, Camila Pitanga, Paula Burlamaqui e Igor Angelkorte.
A primeira lição que a empreendedora Kelly Santos ensinou para o filho, de apenas 3 anos, foi a reagir quando houvesse um tiroteio.
“Ensinei a ele que o momento do tiro é o momento do abraço pra amenizar um pouco esse dano que o tiroteio causa nas nossas crianças, toda vez que ele ouve tiro corre pro abraço, na creche quando ele passou por situações como essa ele fez a mesma coisa com a educadora, com a pessoa que ele tem referência”, disse.
Kelly diz que tem medo ao realizar a simples tarefa de levar o filho na escola.
“Sim, eu me sinto muito insegura porque a gente mora num lugar onde frequentemente tem operações policiais” flash “Uma vez em horário escolar teve operação policial onde meu filho ficou no chão, deitado esperando passar o tiro e a gente fica e aí quando isso vai acontecer, quando pode acontecer…o que deveria nos resguardar faz a gente sentir mais medo
“Quando tem operação é como se interrompesse nosso percurso dentro da favela, pra quem vai estudar, interrompe tudo e muda seu dia você não sabe se vai ser atingido é complicado e triste”, lamenta a estudante Luciana Barros.
Uma das vítimas da violência esse ano na Maré foi a Fernanda Adriana, de 7 anos. Como tantas outras crianças, tinha deixado de ir à escola para se proteger de um tiroteio. Mas uma bala perdida tirou a vida menina dentro de casa. Ela morreu brincando na laje. Fernanda era a filha mais velha de Thayana.
“Minha filha. Queria ser veterinária quando crescesse. Alegre, vaidosa. Não me abandonava em hora nenhuma. Não sei como eu vou fazer para viver sem ela.”
O Complexo da Maré vive em guerra. São 16 comunidades dominadas por traficantes de diferentes facções. Em 2014, a região foi ocupada pelas Forças Armadas. As tropas federais ficaram por um ano e três meses.
Em junho de 2015, os militares foram substituídos por PMs, com a promessa da instalação de UPPs – que nunca chegaram.
O sonho da Kelly e de tantas outras mães é levar com segurança o filho pra escola. Parece simples, ou pelo menos deveria ser.
“Não dá mais para a gente perder nossas crianças no confronto há uma guerra as drogas isso é um problema de todo mundo e não só de quem mora na favela. Não dá mais pra morrer estudante buscando sonho, no caminho da escola. Isso tem que acabar.”
Fonte: Portal G1