Macieiras

Participantes do 3ª Congresso de Pesquisadores Negros, em Florianópolis / Foto: ABPN – Divulgacão – Folha de São Paulo

“Mesmo se eu soubesse que amanhã o mundo se partiria em pedaços, eu ainda plantaria a minha macieira”. A frase de esperança e luta de Martin Luther King pode soar como um clichê, mas expressa muito bem o significado da iniciativa do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir), junto às relatorias especiais das Nações Unidas.

O Fopir, buscando incidir na grave situação de genocídio da juventude negra que há décadas ocorre no Brasil, protocolizou petições em quatro das referidas relatorias, as quais se ocupam dos seguintes temas: Racismo; Povos Afrodescendentes; Questões de Minorias; e Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais.

O genocídio da juventude negra, a faceta mais cruel e perversa do complexo sistema de exclusão brasileiro, é um fenômeno histórico, tanto é que o Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros) relançou recentemente o livro “O genocídio do negro brasileiro”, de Abdias do Nascimento.

Esta obra foi lançada pela primeira vez em 1978. Ou seja, são no mínimo quatro décadas de denúncias, mas o cenário tem se agravado a cada ano, pois não houve iniciativa eficaz do Estado brasileiro para combater essa violência que mata anualmente pelo menos 23 mil jovens negros por ano.

Vale ressaltar que as mortes violentas afetam toda a população negra, em particular as mulheres. Neste sentido, a ativista negra Valdecir Nascimento, da Articulação das Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), apresentou em março deste ano na Comissão sobre a Situação das Mulheres, da ONU, as vexaminosas estatísticas sobre a morte dessas mulheres.

Segundo dados de 2015, do Ministério da Justiça, as mulheres negras têm duas vezes mais chances de serem assassinadas do que as brancas. Além disso, entre as vítimas femininas de agressão, 68,8% são negras.

Portanto, mesmo sendo uma questão pautada há décadas, o grande diferencial das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Assassinato de Jovens, cujo relatório final foi publicado em 2016 pelo Senado Federal, encontra-se no fato de uma das instâncias máximas do Estado brasileiro reconhecer que existe um genocídio em curso no país, contra sua população jovem e negra.

Ou seja, não são mais apenas ativistas, militantes e acadêmicos que apontam a existência deste fenômeno. Se o próprio Estado brasileiro reconheceu, esses dados alarmantes não podem mais ser ignorados.

Além das recomendações presentes no relatório, o Fopir elaborou outras igualmente importantes que se encontram em documento-síntese, oferecendo um aporte para a construção de uma sociedade efetivamente justa e que valorize a vida de todas e todos.

Uma sociedade que não hesite em dar uma resposta afirmativa à questão que insiste em ser formulada pela falta de oportunidades e pelos trágicos números da malfadada guerra às drogas: vidas negras importam?

Neste sentido, ressaltamos que, ao protocolizar as petições, a intenção do Fopir é a de que os relatores da ONU se conscientizem sobre o que ocorre no Brasil e sobre as recomendações do Relatório da CPI, descumpridas até o momento, e que, a partir disso, possam pressionar o governo brasileiro para que este as adote, dando visibilidade ao tema e visitando o país para averiguações in loco.

*Daniel Teixeira é advogado do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir)

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