Por Julio Menezes Silva (IPEAFRO)
Colaboração Naiara Leite (Odara)
Eram pouco mais das 17h30 da tarde de sábado, dia 5 de outubro, quando recebi resposta da ativista e jornalista Luciana Barreto à minha solicitação de entrevista. A jornalista desembarcava em São Paulo vinda de uma viagem à Oslo, na Noruega, onde foi ver de perto os avanços na legislação norueguesa no que dizem respeito às pautas sobre diversidade e equidade de gênero. Desde 2008, é lei naquele país o acesso de mulheres no mercado de trabalho. Resultado? Incremento na economia e melhora na qualidade de vida de uma forma geral. A partir de pesquisas e dados socioeconômicos dos quais teve acesso, trouxe na mala o discurso de que “Investir em diversidade e equidade de gênero gera lucro”. O objetivo dela é, de alguma forma, fazer com que essa mentalidade seja adotada no Brasil.
Luciana Barreto fala não só como jornalista de um dos principais canais de comunicação do mundo, a CNN, que chegou ao Brasil em 2019, ainda sem data para entrar no ar, mas também fala da perspectiva de quem há décadas milita na área da comunicação e dos direitos humanos. Ela fala do lugar de quem aprofunda cada vez mais o conhecimento sobre o racismo estrutural à brasileira: recentemente obteve o título de mestre em Relações Étnico-Raciais/CEFET-RJ, com a dissertação Discursos de ódio contra negros nas redes sociais. Em breve, o texto será publicado em formato de livro.
UM RELATO PESSOAL
Em 2011 e 2012, dividi com a jornalista o dia-a-dia de trabalho na redação da TV Brasil. Iniciante ao posto de repórter do telejornal Repórter Rio, por diversas versas, compartilhei de sua experiência dentro do campo das relações raciais ouvindo suas ideias e ponderações enquanto nos arrumávamos no camarim da casa – ela para apresentar o jornal mais importante da casa, eu para cair na rua atrás de histórias que pudessem gerar reportagens. Foi a partir dessa convivência que comecei a despertar a consciência racial que havia perdido há muito, a compreender e aprender a como me posicionar frente ao racismo à brasileira, principalmente dentro das organizações: de peito aberto, com a cabeça erguida, elegância, denunciando os racistas e fundamentado em uma tradição de saberes milenar. Até escrever esse texto, não tinha me dado conta do valor dessa convivência. Aqui registro meu agradecimento à jornalista. Obrigado, Luciana.
Trazendo a experiência da Noruega, Luciana Barreto aponta desafios para pensar mercado de trabalho e a validação dos marcadores de raça e gênero para a garantia de direitos a partir da comparação com a realidade brasileira. Para Barreto, os avanços na legislação norueguesa podem contribuir para pensar, de fato, a equidade nas relações de trabalho no Brasil. Confira alguns pontos destacados por ela:
DIREITOS IGUAIS NO NORUEGA E BRASIL
Na Noruega, a legislação é apropriada para equidade de gênero e garantias de direitos. Quando as empresas (norueguesas) chegavam aqui, se submetiam à legislação brasileira. Então, (governo Norueguês e empresas) eles queriam uma coerência nisso: por que o norueguês tinha direitos e os brasileiros não? Eles estão incentivando a equidade de gênero e diversidade dentro das empresas norueguesas no Brasil. Estão fazendo um trabalho brilhante!
Luciana Barreto conheceu o brasileiro Ricardo Nunes, contador que vive na Noruega e está tirando licença paternidade
LICENÇA MATERNIDADE NA NORUEGA
A licença maternidade na Noruega é dividida entre a mãe e o pai. Os dois têm o mesmo direito. A lei garante ao pai a ficar com o filho no momento em que a mãe está trabalhando. Quando termina a licença maternidade da mãe, o pai é obrigado a pelo menos, por 15 semanas, a ficar com o bebê. Por quê? Eles querem que a mãe volte ao mercado de trabalho. E a forma dela voltar é com o pai ficando (com a criança).
INVESTIR EM DIVERSIDADE E EQUIDADE DE GÊNERO GERA LUCRO
Eles têm números. Por exemplo, depois que as mulheres entraram no mercado de trabalho efetivamente, a economia norueguesa cresceu. Se elas trabalharem em período integral, isso vai acrescentar ainda mais valor à economia norueguesa. Minha ideia é conhecer essa política e trazer algo semelhante para o Brasil, escrever sobre isso, mostrando que é lucrativo investir em diversidade e equidade de gênero.
PONTOS A SEREM MELHORADOS NA EXPERIÊNCIA NORUEGUESA
Eu acho que sistema deles tem algumas coisas a serem melhoradas. Por exemplo, diversidade étnica. Eu bati nessa tecla. Os poucos negros e negras que têm na sociedade deles ainda vivem em um sistema mais excludente. Quando se fala em diversidade e inclusão está tudo lindo, mas é todo mundo “branco”. A comunidade LGBTQI+ está contemplada, a mulher entrou no mercado de trabalho… Mas todos brancos. Então isso é uma coisa que precisa ser revista. No Brasil, as empresas norueguesas (que estão operando aqui) já entenderam isso. Nesse sentido, as empresas norueguesas que estão no Brasil estão mais desenvolvidos do que as de lá.
ATIVISMO E JORNALISMO AFROCENTRADO
O que eu luto a vida inteira é que a gente tenha articulação. Despertar a consciência de irmãos, e tentar entrar em espaços de poder é uma forma de articulação para acabar com esse sistema racista. (Por exemplo), o que o IPEAFRO faz, o que a Elisa (Larkin Nascimento) faz o tempo inteiro é entrar nesses espaços e destruir essa estrutura (racista), ou pelo menos minar essa estrutura.