Vinda de Pernambuco, ela é a figura imponente à frente da Aparelha Luzia, um espaço de resistência negra no centro de São Paulo.
Foram os anseios por liberdade que fizeram Erica Malunguinho deixar a casa e a família em Pernambuco para se mudar para São Paulo, aos 19 anos. Hoje, aos 35 anos, reconhece que foi um processo de fuga: “Vim para conseguir minha emancipação identitária”, conta. Naquela época, já tinha sua orientação sexual assumida – eram outros conflitos que a inquietavam. “Mais do que tudo, eu precisava resolver a questão negra”.
Quando terminou o ensino médio, período em que intensificou o enfrentamento à homofobia e ao racismo, Erica sentia que “precisava viver outra vida”. E teve o apoio da mãe, que a criou sozinha, sempre sonhou ter uma filha e escolheu seu novo nome. Já o sobrenome “Malunguinho” faz referência ao culto da Jurema Sagrada, uma entidade das matas de Pernambuco da região do Catucá onde, segundo ela, transitaram seus antepassados. Malungo também é um termo utilizado por povos africanos da família banto, que significa “camarada”, “companheiro”. Era como os escravizados se referiam a alguém que, como eles, atravessou o mar e conseguiu renascer do outro lado.
Erica Malunguinho na Aparelha Luzia, centro cultural de resistência negra que fundou em São Paulo / FOTO: Pedro Borges/Alma Preta
A Aparelha Luzia respira arte: tambores, bonecas negras, móveis antigos, luminárias, lamparina, porta-joias. São tantos elementos que disparam memórias afetivas, em especial, as fotos envelhecidas da família da fundadora do espaço / FOTO: Pedro Borges/Alma Preta
Essa relação com os territórios marcam a personalidade dessa figura que transita por muitos espaços, e que por ter sua consciência racial e étnica no centro da sua existência, conseguiu parir um quilombo urbano no centro de São Paulo, em abril de 2016.
Á esquerda, a cantora e compositora Luedji Luna. À direita, cineastas negras dialogam com a escritora Conceição Evaristo / FOTO: Reprodução / Facebook
A importância da Aparelha surge justamente pela multiplicidade do público que transita por ali. São trabalhadores da construção civil, moradores em situação de rua, intelectuais, artistas, ativistas, membros de comunidades de países africanos, profissionais das área de saúde, educação e moda, entre outros.
Xênia França e Erica Malunguinho na saída do bloco Ilu Inã, em janeiro de 2017; à direita, a atriz Vaneza Oliveira aguarda os Filhos de Gandhi / FOTO: Reprodução / Instagram
Erica faz pessoalmente a curadoria de todos os eventos da casa. Assim tem a possibilidade de apresentar “narrativas descolonizadoras”, como ela mesma diz. Além disso, o protagonismo negro é o ponto central. “É importante que grande parte da construção da linguagem seja gerida por negras e negros. Da criação à apresentação do trabalho”, conta. São mais de 20 eventos por mês. O público varia de acordo com a atividade, mas há um crescente número de frequentadores cativos que veem na Aparelha Luzia o refúgio certo. “Recebemos em média de 3 a 4 mil pessoas por mês”, contabiliza Erica.
Aparelha Luzia é território de falações negras: “Artivismo pela estética, pelo discurso, pelo encontro, pelo di cumê, pela festa…Pelos saberes vivenciados a partir das heterogêneas experiências corpoculturais negras” FOTO: Reprodução / Facebook
Erica conta que não é incomum que as pessoas brancas se assustem ao se depararem com um território negro, onde não somos vistos pelo lugar da vulnerabilidade, e sim pelo contrário, com autoestima e consciência das nossas pautas. “Todo mundo é bem-vindo, mas a pessoa branca ou não-negra deve negociar a sua presença aqui dentro, pois alguns desavisados tentam reproduzir comportamentos racistas”.
Cerveja Guerrilheira, produzida e pautada na luta feminista e racial / FOTO: Reprodução / Facebook