Por *Julio Menezes Silva.
Hoje morreu Marcelinho, vítima da covid-19. Ele tinha vinte e poucos anos e era retinto. Gente como o Marcelinho é um sobrevivente. Das seis da manhã até a morte, todo dia, no sério batente. Atendeu na lanchonete, fez frete na moto e na caminhonete. Dirigiu o transporte comunitário que atende aos mais pobres do bairro. Conseguiu até um carro (!) e deu lucro aos empresários, enquanto buscava, guerreiro, o “mínimo salário”.
Seu apelido era “azeitona”, soube agora entre os íntimos. Seus olhos cansados eram quase sempre calmos. Talvez o Marcelinho não tivesse tempo de pensar na vida. Não sei. Certamente não o tinha para uma refeição tranquila. Conversamos pouco, bem pouco agora sei. Mas quando ao lado dele me sentei, na carona do transporte comunitário, sentia o seu axé de um mestre iluminado. Ainda o sinto. Retribuía-o com um sorriso, um gesto, um carinho e o tradicional “fala, Marcelinho!”. Ele era nosso vizinho, pô, gente da gente, e como tantos outros, pobre, mais um sobrevivente.
“E daí?”, assim respondeu o presidente da nação, irritado, quando questionado sobre a morte de Marcelinho e de tantos outros brasileiros e brasileirinhos (1). É desse jeito, Marcelinho, que os brancos nos tratam desde que aqui chegaram, invasores, trazendo-nos amarrados. Eles não ligam se hoje morreu Marcelinho, vítima da covid-19. Eles não ligam se você tinha vinte e poucos anos e era retinto. Eles não ligam se você tinha um bom coração e um corpo preto-pardo.
Texto em homenagem ao Marcelinho, o “Azeitona”
(1). Em 28 de abril de 2020, quando questionado sobre o número de mortes de brasileiros vítimas da Covid-19, que àquele altura da pandemia ultrapassava 5 mil, o presidente que governa o Brasil desde 2019, respondeu: ‘E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?’.
* Julio Menezes Silva é jornalista, artista em formação. Coordena a área de comunicação do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO) e integra o grupo de comunicação do Fórum Permanente Pela Igualdade Racial (FOPIR)