Autor: Andréa Martinelli
“Eu adoro quando as pessoas se identificam com personagens específicos. Isso significa que elas estão se sentindo representadas”.
“Cara gente branca, vou dar um conselho. Quando perguntar a alguém que parece ter uma etnia diferente, ‘o que você é?’, a resposta geralmente será: ‘Alguém que está prestes a encher você de porrada’.”
O programa de rádio da estudante de audiovisual Samantha White, da série Cara gente branca, na universidade de Winchester, nos Estados Unidos, agrada, mas também desagrada muitos universitários.
A série, baseada no filme homônimo, estreou na Netflix no dia 28 de abril e, com um tom ácido, expõe de forma contundente tensões raciais em uma universidade de elite dominada por estudantes brancos — e reflete, direta ou indiretamente, a realidade que o racismo sistêmico cria.
Cara Gente Branca é uma produção que consegue tocar em feridas abertas e extremamente dolorosas. Mesmo que a série trate de uma realidade norte-americana, diversas questões abordadas por ela podem ser facilmente percebidas na realidade brasileira: apropriação cultural, violência policial, solidão da mulher negra, entre tantos outros.
Diretor do filme de 2014 que deu origem à série, Justin Simiende é o responsável pelo roteiro. Três mulheres, Yvette Lee Bowser (Black-ish), Stephanie Allain e Julia Lebedev assinam a produção.
A protagonista Samantha White (ou só ‘Sam’, para os íntimos) é interpretada pela atriz Logan Browning que, em entrevista á CNN disse à ‘Cara Hollywood’, que acredita que “uma mudança está sendo feita [em termos de representatividade em produtos audiovisuais]” e que ela “se sente muito feliz em fazer parte disso”.
“Eu acho que estamos definitivamente em uma onda em que no mundo do entretenimento – vou dizer algo que pode parecer estranho, mas é isso mesmo — ser de uma etnia que não seja a branca é ‘cool’. Acho que o que os escritores e roteiristas estão fazendo é levar essa ideia para ambientes que querem diversidade e estão aproveitando a oportunidade para ampliá-la e trabalhar personagens singulares e não tão simples assim”.
E Sam, personagem de Browning na série, é exatamente assim: não tão simples assim, é única, cheia de singularidades.
Ela é uma jovem estudante de audiovisual que, cansada de ser vítima constante da divisão racial que atinge os alunos da Winchester University, se junta a coletivos de alunos negros e cria também um programa na rádio comunitária da universidade chamado ‘Cara Gente Branca’.
Nele, ela não tem medo de expor a tensão racial que, muitas vezes, a própria administração da universidade se nega a enxergar.
E, apesar das críticas que surgiram mesmo antes da série estrear na Netflix, Browning se sente muito mais orgulhosa de fazer parte de uma série que pode estar pautando uma conversa inicial sobre racismo e representatividade, do que afetada pelo que foi falado inicialmente.
“Tenho falado com meus amigos que não representam etnias e eles tem falado que está difícil [conseguir emprego]. Eu respondo: ‘Bem-vindo ao clube. Tem sido assim para mim nos últimos 13 anos'”, disse Browning.
Para a atriz, Cara Gente Branca representa um marco em uma nova era de séries protagonizadas por mulheres negras, que foi iniciada por Olivia Pope, em Scandal, Cookie Lyon, em Empire e por Viola Davis em How To Get Away With Murder.
“‘Eu adoro quando as pessoas se identificam com personagens específicos. Isso significa que elas estão se sentindo representadas. Ser capaz de se relacionar com um personagem e ver sua história traduzida por ele faz você se sentir visto e dá confiança para ser quem você é — não só o que dizem que você deve ser”, afirma Browning à CNN.
Carolina Maia, em texto para o site Séries Por Elas sobre a produção, complementa a fala de Browning:
“A série não foi pensada para mostrar pessoas perfeitas em suas posturas 100% do tempo. Sua ideia é justamente o contrário: evidenciar que, em nossa incompletude, vamos fazendo o que está ao nosso alcance na luta pela igualdade de direitos. Você não precisa ser perfeito porque é militante, e isso é um alívio e tanto.”
E nesse ponto Cara gente branca acerta em cheio: representatividade.
Browning finaliza a entrevista para a CNN dizendo que tem esperança, principalmente, no futuro da indústria do entretenimento.
“Talvez, em algum mundo, em determinado momento, todos poderão entrar em uma sala sem se importar com quem você é ou com quem você se parece. Você será apenas a pessoa certa para fazer o trabalho”, disse.
Fonte: HuffPost Brasil