Por *Julio Menezes Silva
No último dia 22 de abril de 2020, o governo federal lançou o programa Pró-Brasil, com propostas para retomada da economia no pós-pandemia do novo coronavírus (covid-19). O programa prevê investimentos públicos de R$ 30 bilhões até 2022 e a geração de um milhão de empregos nesse período. Coube ao ministro da casa civil, Braga Neto, anunciar os detalhes do programa. A ideia é que os ministérios proponham ações para atingir o objetivo do governo federal.
Do ponto de vista da comunicação, chamou atenção a imagem usada na peça publicitária do governo atual: a foto de cinco crianças com feições caucasianas, que não representam a diversidade étnica e cultural brasileira. Dado estatístico do IBGE indica que 54% da população brasileira autodeclarada negra (preta ou parda). Pouco se comentou sobre o assunto na imprensa. Os que fizeram, foram as mídias alinhadas ao campo político progressista.
Em 2020, com tanto anseio da sociedade civil, movimentos negros e algumas iniciativas públicas e privadas em direção ao fortalecimento da diversidade, no momento em que vivemos a Década do Afrodescendente junto às Organizações Unidas (ONU), parece-me que levar uma campanha como tal à frente é, no mínimo, miopia institucional ou desonestidade intelectual. Ou seria má fé?
O fato é que, institucionalmente, o governo atual reproduz o racismo histórico sem ser combatido de forma eficaz. Esse texto mesmo não tem, infelizmente, o alcance que anseio dele. Mas é preciso se posicionar quanto aos absurdos diários impostos pelo governo brasileiro. A discussão sobre o racismo deveria transcender o aspecto direita-esquerda, e ser uma questão ampla, nacional, uma questão de Estado e democracia.
A campanha do governo federal traz nas entrelinhas o típico desafio da comunicação: alinhar o que se pensa, o que se faz e o que se anuncia. Explico: no site da Secretaria de Comunicação de Governo – a SECOM está definido que as “ações publicitárias do Governo Federal devem priorizar o caráter educativo, informativo e de orientação social, valorizar a diversidade étnica e cultural e reforçar atitudes que promovam o desenvolvimento humano, o respeito ao cidadão e ao meio ambiente”.
Pois bem. A campanha então falha em sua essência, pois quando escolhe a imagem de crianças caucasianas para representarem a imagem do Brasil – e consequentemente do futuro da nação – não leva em consideração premissas básicas definidas institucionalmente pela Secom, sobre “valorizar a diversidade étnica e cultural”. Aqui cabe pensar também na atuação dos profissionais de comunicação, em especial os de marketing.
Refletir sobre o que é mais importante: dizer sempre amém ao nosso “chefe” ou questioná-lo, questionar o cliente, questionar o seu interlocutor, questionar até o presidente da república, se for o caso. Compreender, definitivamente, o que é racismo e como identificar suas infinitas entranhas. Uma das coisas que aprendi na vida é aprender a dizer não, quando necessário. Liberta, gera independência profissional e resulta em credibilidade. “A liberdade pode ser uma cruz”, nas palavras do rap Emicida. Marcar posição não é uma tarefa fácil, mas vale à pena tentar.
* Julio Menezes Silva é jornalista, artista em formação. Coordena a área de comunicação do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO) e integra o grupo de comunicação do Fórum Permanente Pela Igualdade Racial (FOPIR).