“VOTE EM PRETES”: PLATAFORMAS DIGITAIS DÃO VISIBILIDADE ÀS CANDIDATURAS NEGRAS

Por Naiara Leite (ODARA), Priscila Rodrigues (Observatório de Favelas) e Julio Menezes Silva (IPEAFRO)

Em um cenário em que são maioria nas eleições de 2020, as candidaturas negras receberam 42% menos dinheiro dos fundos Partidário e Eleitoral do que os demais candidatos. De um montante de R$ 1,1 bilhão dos fundos públicos, candidaturas negras recebem 36% contra 63% destinados a candidatos brancos. Os dados são retirados das declarações entregues pelos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e são compilados pela plataforma 72 horas, que faz o acompanhamento da distribuição dos recursos públicos de financiamento de campanha.

TOTAL DE VALORES REPASSADOS – atualizado em 10/11/2020. Fonte: plataforma 72horas

Para reverter esse cenário de disparidade ao acesso de recursos de campanha, que resulta também em sub representatividade d@s pret2s no legislativo, diferentes ações da sociedade civil foram lançadas para dar visibilidade as candidaturas pret@s e dos indígenas, oferecendo aos eleitores a chance de acessar, diretamente, os dados dos candidatos. Para os candidatos, uma oportunidade de alcançar um público que talvez não estivesse ao seu alcance.

Uma dessas ações é a plataforma Antirracista nas Eleições (Pane), lançada pelo Instituto Marielle Franco. Composta por uma série de ações que visam pressionar partidos a viabilizarem candidaturas de mulheres negras, a plataforma quer promover a ocupação de espaços de decisão nas eleições municipais de 2020. Mirando na superação de diversas formas de opressão, a Pane cobra e atua para que sejam ampliadas candidaturas que defendam políticas antirracistas, feministas e em defesa da população LGBTQIA+.

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político lançou a campanha #QueroMeVerNoPoder. A ideia é promover, ao longo do processo eleitoral que termina em 29 de novembro, ações de comunicação – voltadas a partidos políticos, movimentos sociais, mídia e sociedade – sobre a importância da mudança do modelo de representação vigente com vistas ao exercício da democracia plena no Brasil. O vídeo abaixo é uma das ações.


Outra iniciativa é a plataforma #VotosAntirracistas,  inspirada pelas histórias de Abdias NascimentoMarielle Franco e Lélia Gonzalez, que abriram caminho e ocuparam a política carregando consigo as demandas do povo preto no Brasil. Reúne e apresenta candidaturas negras comprometidas politicamente com as pautas históricas dos movimentos negros do País, explicitadas no Manifesto Enquanto Houver Racismo Não Haverá Democracia, na Carta de Princípios e Agenda da Coalizão Negra por Direitos, na Agenda Marielle Franco e na Carta da Convergência Negra em defesa da vida, do emprego e da participação negra na política.

Chama atenção também a plataforma Campanha Indígena – Demarcando Urnas, uma iniciativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em conjunto com a plataforma Candidate-se da Mídia Ninja. A iniciativa diz-se suprapartidária e tem o objetivo de dar visibilidade as trajetórias de lideranças na defesa dos direitos indígenas e do reconhecimento dessas candidaturas pelos povos. O Brasil possui mais de 275 etnias indígenas e 154 línguas indígenas. Este ano são 2.172 candidaturas em todas as regiões do Brasil.

COMPROMETIMENTO COM A PAUTA RACIAL
Mas será que todos os candidatos negros estão comprometidos com a pauta racial? Em artigo publicado no site CEERT e também no jornal Folha de São Paulo, Cida Bento alerta para o fato de “diversos movimentos sociais estão lançando plataformas para disseminar as histórias de trabalho efetivo de partidos e candidatos ao parlamento com temas que fortalecem a democracia e combatem as desigualdades. Interessa menos o discurso atual, que pode ser um “discurso de ocasião”, e mais a história dos partidos e das candidaturas com propostas de interesse destes segmentos mais vulnerabilizados”.

Essa narrativa chama atenção porque houve aumento nas capitais, por exemplo, de 21% dos candidatos negros a prefeito já se declararam brancos em eleições anteriores. “Já tínhamos que conviver com partidos cujos candidatos, no período eleitoral, iam à periferia, angariar votos, e nos programas televisivos escolhiam pessoas negras para fazerem suas propagandas. Quando eleitas(os), os parlamentares destes partidos ficavam de costas para a população e votavam propostas que atendiam exclusivamente aos interesses do que se costuma chamar de “mercado”, derrubando direitos duramente conquistados, quebrando as redes sociais de proteção, destruindo as estruturas governamentais onde se buscava construir políticas públicas de promoção da equidade”, afirma Cida Bento.

FOPIR FAZ RELEITURA DE CAMPANHA HISTÓRICA “VOTE NO PRETO”
A campanha “Não vote em branco, vote no preto” era o slogan da campanha para vereador do ativista e intelectual preto Abdias do Nascimento pelo Partido Social Democrático (PSD). A frase marcou a integração da negritude e do conceito de “voto racial” no discurso político de ativistas negros brasileiros. Embora representem mais da metade da população brasileira, pretos e pardos ocupam apenas um décimo das cadeiras no parlamento nacional. Sessenta e seis anos depois, a população negra segue sub representada na política.

Reeditando o histórico slogan de campanha de Abdias, “Vote em pretes”, o Fórum Permanente Pela Igualdade Racial lançou a campanha de comunicação em suas plataformas digitais com a proposta de destacar a pluridiversidade dos corpos negros. Além disso, usar o “pretes” no plural traz a dimensão coletiva. Trazer Abdias é também reforçar que “Nossos passos vêm de longe” e, firmados no conceito Sankofa, aprendemos a olhar o passado, para compreender o presente e reescrever o futuro.