Relatório Anual da Anistia Internacional destaca genocídio da juventude negra em curso no Brasil

Por Priscila Rodrigues (priscila@observatoriodefavelas.org.br)

“Jovens negros, principalmente os que moram em favelas e periferias, foram desproporcionalmente afetados pela violência por parte dos policiais”. A afirmação é parte do informe sobre o Brasil no relatório anual da Anistia Internacional (disponível aqui) lançado recentemente em todo mundo.

No evento de lançamento no Rio de Janeiro, a mestre de cerimônia, escritora e moradora da Maré, Ana Paula Lisboa, alertou sobre a rotina de violência que os moradores da Maré vêm enfrentando.

“Há alguns dias eu estava em casa na Nova Holanda (uma das 16 favelas que formam a Maré) quando finalizava, mais ou menos, três horas de tiros sem parar. Eu já tinha sido convidada para esse evento e fiquei pensando que eu estaria aqui. É isso que nos move. Estar lá e estar aqui e poder ser uma mulher negra que ocupa todos esses espaços”.

Ana Paula ainda pediu que mães e familiares de vítimas da violência do Estado ficassem de pé. Dezenas de pessoas se levantaram diante de um auditório em silêncio. “Eu já estou de pé”, afirmou a escritora.

Mulheres negras e direitos humanos

Fortalecer as denúncias contra o genocídio em curso da juventude negra tem pautado as ações da Anistia Internacional. Em 2014, a campanha “Jovem Negro Vivo” buscou sensibilizar a população para o alto índice de assassinatos.

O evento de lançamento do relatório em fevereiro foi mais um desses momentos. Além da apresentação e entrega do relatório, o encontro contou com o debate “Mulheres negras na resistência e mobilização por direitos humanos” (foto). A data também marcou a primeira atividade de Jurema Werneck à frente da direção executiva da Anistia Internacional Brasil.

Na mesa, Jurema Werneck (diretora da Organização), Djamila Ribeiro, (mestre em Filosofia Política pela Unifesp), Marion Gray-Hopkins (ativista e mãe de Gary Hopkins, Jr (19), morto pela polícia nos EUA), Shackelia Jackson (ativista e irmã de Nakiea Jackson (27), morto pela polícia na Jamaica) e Vilma Reis (socióloga e ouvidora geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia). A mediação ficou por conta da diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra e doutora em Educação pela USP, Sueli Carneiro.

Werneck iniciou o debate explicando a necessidade de se analisar o estado dos direitos humanos a partir da visão das mulheres negras.

“Ser uma mulher negra no contexto de violação de direitos humanos, aqui no Brasil, é ter que confrontar –  desde o primeiro momento, desde o primeiro respiro – o peso desse inimigo chamado racismo, sexismo, pobreza, exclusão. E, ainda assim, olhar pro mundo e dizer que ele um dia vai ser melhor. Se a mudança for possível, as mulheres negras são o motor dessa mudança”, afirmou.

Marion Gray-Hopkins e Shackelia Jackson compartilharam, respectivamente, a situação de violência nos EUA e Jamaica e que em muito se assemelha a do Brasil. Ambas são familiares de homens negros que foram assassinados pela polícia.

“A nossa dor não tem idioma. Hoje a minha luta ganhou pernas. Essa voz solitária ganhou um coro”, afirmou Jackson ao falar sobre a importância dos países com o racismo arraigado em sua estrutura enfrentarem o extermínio da juventude negra juntos.

Hopkins também falou de luta e união. “ A história de Gary não é isolada. Estão criando um genocídio legalizado. A cada 28 horas, ou menos, um negro é assassinado nos Estados Unidos”. No Brasil, segundo dados do Relatório Final da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens (2016), um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos.

Encarceramento

Já Vilma Reis trouxe para o debate a problemática do super encarceramento. “Nós propomos uma agenda de desencarceramento. Nenhuma prisão a mais de pé no Brasil. Não aceitamos que senhores coloniais, herdeiros das capitanias hereditárias se reúnam em seus jantares bilionários para discutirem que irão construir mais prisões e fazer fundos penitenciários. Isso é um debate covarde, unilateral e que não leva em conta a posição da sociedade civil”.

Djamila Ribeiro complementa. “Não dá para a gente fazer nenhum debate nesse país sem discutir racismo já que ele é estrutural e estruturante. É necessário pensar a questão racial como central e não mais especial e, para além disso, é necessário repensar essa lógica de tratar a população negra como apenas beneficiários de políticas públicas e não a população que está ali sentando e pensando essas políticas”.

Diante da relevância do tema, o Cine Odeon ficou pequeno. Após enfrentar uma fila extensa, diversas pessoas não conseguiram assistir ao debate devido à lotação do cinema.

Em nota, a Anistia Internacional agradeceu a mobilização e se desculpou. “É fortalecedor ver tantas pessoas mobilizadas para um debate sobre direitos humanos às vésperas do Carnaval no Rio de Janeiro. Superou nossas melhores expectativas. Lamentamos que um grande número de pessoas tenha ficado de fora. Fica o aprendizado.”

Assista o debate na íntegra disponível em português (http://bit.ly/AIR17AoVIVO) e inglês (http://bit.ly/AIR17LIVE)