Pesquisa investiga como as mulheres negras percebem o Dia Internacional da Mulher e a luta por direitos

Cerca de 60 mulheres foram entrevistadas em Brasília na semana do dia 8 de março.

O Dia Internacional da Mulher (8 de março) deste ano foi histórico. No Brasil e pelo mundo houve intensa participação de representantes de organizações populares, feministas e ativistas nas atividades e protestos realizados, expondo preconceitos, intolerância e violências e reafirmando os direitos das mulheres.

Um dos principais lemas a tomar as ruas foi: “Se nossas vidas não importam, produzam sem nós!”. A proposta era de uma greve geral – toda mulher cruzaria os braços e abandonaria seu posto de trabalho para se juntar às companheiras nos protestos, exigindo menos violência, mais direitos e respeito.

A questão da greve geral gerou, entretanto, questionamentos legítimos sobre sua real viabilidade para algumas mulheres, especialmente entre as mais vulneráveis como as jovens, negras e pobres. Podem elas decidirem não ir trabalhar e não sofrerem sanções, como outras mulheres – brancas, de classe media, com horários mais flexíveis de trabalho?

Essa questão foi problematizada pelo Hub das Pretas DF em pesquisa realizada entre os dias 6 e 8 de março com cerca de 60 mulheres, com idades entre 20 e 40 anos. O Hub das Pretas DF está vinculado ao projeto Jovens Mulheres Negras Fortalecidas na Luta Contra o Racismo e o Sexismo, uma iniciativa do Inesc, Oxfam, Crioula, Ação Educativa, Pólis e Ibase, O objetivo principal do projeto é justamente enfrentar e combater as violações dos direitos das mulheres negras.

As perguntas, feitas na Rodoviária do Plano Piloto e no Conic, no centro de Brasília, transitavam entre a identidade racial das entrevistadas, o conhecimento sobre a greve geral prevista para o Dia Internacional da Mulher e quais direitos delas são violados sistematicamente. A pesquisa não tem representatividade estatística, mas conseguiu captar a percepção dessas mulheres, além de ser ela mesma uma intervenção política, na medida em que permitiu o diálogo sobre o 8 de março e a greve de mulheres na perspectiva das mulheres negras.

Veja aqui a íntegra da pesquisa.

O resultado da pesquisa revela que, apesar do discurso de que vivemos numa ‘democracia racial’, as mulheres negras ainda sentem fortemente o racismo em seus cotidianos. Elas sabem e sentem que são tratadas de forma diferente pela cor de sua pele, e justamente por isso o reconhecimento de que são negras é doloroso – elas têm dificuldade de se verem como mulheres negras ( 77,8 % responderam pretas, 18,5 % responderam pardas, 1,9 % responderam brancas).

“O racismo no Brasil é explicado por algumas pessoas como um fenômeno sutil. Mas, na realidade, ele é bem evidente. A questão é que precisamos estar politicamente munidas para identificar os problemas. E isso passa pelo processo de identificação racial”, explica MyrellaTiodósio, estudante de jornalismo da Universidade Católica de Brasília e integrante do Hub das Pretas DF.

Além da falsa sutileza do racismo em nosso dia-a-dia, a própria palavra ‘racismo’ ainda é vista pela grande maioria das pessoas como uma palavra ‘pesada demais’ para ser afirmada.

“A impressão que mais me marcou foi a dificuldade que muitas mulheres negras têm de não entender a palavra racismo e acreditar que isso realmente não exista e nem às afete”, afirma KinahMonifa, participante do coletivo Mulheres Hamsá e também integrante do Hub das Pretas DF.

A pesquisa aponta ainda que grande parte das mulheres entrevistadas têm jornada dupla de trabalho e são mães solteiras, 66,7% de solteiras para 18,5% de casadas, um dado relevante, quando se trata de mulheres historicamente rejeitadas matrimonialmente pela cor de sua pele.  Fazem parte, portanto, de uma estrutura social bastante perversa, em que há um grande acúmulo de funções e atividades, e pouca ou nenhuma fonte de renda (em torno de um salário mínimo), mesmo sendo a única provedora da família. Mesmo quando a renda é maior, não é suficiente para suprir as necessidades dela e sua família.

A maioria das entrevistadas, 96,3%, afirmou conhecer a Lei Maria da Penha, mas as opiniões se dividiram em relação ao sucesso dessa legislação. Sabemos que muitos são os fatores que interferem nesse resultado, por serem regras, acordos e ações sociais que se encontram nas ‘entrelinhas’ da sociedade.

Grande parte também afirmou saber que o dia 8 de março era o Dia Internacional da Mulher, mas desconheciam suas origens, implicações e tensões ideológicas, bem como a proposta de greve geral para a data. Disseram também que já tinham ouvido falar sobre feminismo, e que 87% percebiam em seus cotidianos que as mulheres negras sofrem mais violência do que as mulheres brancas.

“Eu identifiquei nas respostas que a reflexão critica aprofundada sobre as questões do movimento feminista não chegou para elas com tanta força. Isso mostra que o movimento feminista tem falhado em dar atenção a essas mulheres e em considerar a realidade delas em suas reflexões. Outra coisa: as mulheres negras têm um acesso desigual à informação. São mulheres que muitas vezes ganham pouco mais de um salário mínimo e têm o trabalho como um impeditivo para se manifestar politicamente, para reivindicar seus direitos, como muitas fizeram no dia da greve de mulheres, no dia 8 de março”, explica MyrellaTiodósio.

O resultado da pesquisa realizada pelo Hub das Pretas levanta algumas questões importantes, como o acesso à informação disponibilizado para as mulheres negras, a consciência e o engajamento social que elas têm e podem ter. Impõe também uma reflexão sobre as questões estruturais que o racismo abarca, inclusive dentro das organizações feministas, diante da mulher negra. E as questões racial e econômica são, nesse contexto, importantes divisores de água.

As jovens que aplicaram o questionário para a pesquisa concluíram que a organização de mulheres negras é indispensável para que se busque uma cidadania mais plena, com respeito, no combate ao racismo e na luta por direitos e pela manutenção deles.

Outra reflexão importante a ser feita é sobre o lugar social e racial de quem fala, e como isso interfere na ponta, nas trabalhadoras que não estão envolvidas plenamente no movimento das mulheres.

Pensando na informação como um direito humano, e em como o Hub das Pretas DF pode contribuir nesse processo, Myrella Tiodósio considera que “dos propósitos do projeto Hub das Pretas é repensar essa comunicação, considerando a internet como espaço para potencializar a organização de mulheres negras e fazer uma outra comunicação, que valorize os saberes, as experiências e os direito das mulheres negras”.

Fonte: Inesc