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Acervo: Odara

A condição de extrema vulnerabilidade histórica da mulher negra foi denunciada pelas 100 mil mulheres negras que invadiram Brasília no dia 18 de novembro de 2015 na Marcha das Mulheres Negras – Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. Dando continuidade a uma luta ancestral, essas mulheres se deslocaram de todos os estados do país para marchar na capital federal e demonstraram que a dívida histórica que a sociedade brasileira tem para com a população negra precisa ser reparada imediatamente a partir da construção de um novo pacto civilizatório, baseado na equidade de gênero, classe e raça.

Esta transformação se faz necessária, pois as mulheres negras possuem os piores índices estatísticos nos mais diferentes âmbitos da vida social: estão em maior proporção em postos de trabalho de grande vulnerabilidade, como por exemplo, o trabalho doméstico. Entre os países da América Latina e do Caribe, o Brasil é o país com maior percentual de mulheres afrodescendentes inseridas no trabalho doméstico (CELADE, 2016). Essa é a atividade laboral que concentra o maior número de mulheres negras no nosso país, 63% das empregadas são negras (PNAD 2012)

A “crise econômica” e o crescimento do desemprego que afetam a sociedade brasileira reciem em maior proporção sobre as mulheres negras. De acordo com dados da PNAD 2014, esta elevação dos índices de desemprego impactou mais profundamente sobre o grupo de mulheres e homens negros do que qualquer outro, já que a população negra representa 60,3% de todo o aumento do desemprego gerado entre 2013 e 2014. Naquele período, o Brasil possuía 2,4 milhões de mulheres negras desempregadas contra 1,2 milhões de homens brancos na mesma situação. E apenas 31,3% das mulheres negras ocupadas, com 16 anos ou mais, tinham carteira assinada em 2014.

Os dados demonstram uma divisão sexual e racial do trabalho no Brasil que consolida o perfil de gênero e raça da pobreza, condicionando a posição da base da pirâmide social para as mulheres negras no nosso país.

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Acervo: Odara

Por outro lado, embora as mulheres negras ocupem a posição mais marginalizada no âmbito do trabalho, uma pesquisa inédita realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC, 2015) revelou que os setores que pagam mais impostos no Brasil são proporcionalmente, as mulheres negras e pobres. Este grupo praticamente não é contemplado com a conversão desses recursos para a garantia de seus direitos sociais.

Outro problema que precisa ser visibilizado e combatido é a sub-representação das mulheres negras na política. Segundo o INESC, o perfil típico de deputados e senadores no Brasil é constituído por homens brancos com idade por volta dos 50 anos. As mulheres representam menos de 10% do total de parlamentares (os homens negros idem), ocupando apenas 2% desse total. Ou seja, a ocupação dos espaços políticos é definida por marcadores de gênero, classe, raça e geração excludentes para as mulheres, a população negra e a juventude – com destaque para as mulheres negras, devido a intersecção entre esses sistemas combinados de opressão.

Esse quadro de exclusão pode se acentuar ainda mais com o avanço do conservadorismo em curso no país. Não só a crise econômica recaiu com mais intensidade sobre as mulheres negras, mas também a crise política e a ameaça de retrocesso dos direitos sociais. A perda do status de Ministério e os respectivos corter no orçamento da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) significou um golpe duplo para as mulheres negras. Desta forma, a invisibilidade de sua condição específica, atravessada pela intersecção dos sistemas de opressão de gênero, classe e raça pode ser exacerbada nesta nova conjuntura.

E se os índices sobre os campos do trabalho e da política são alarmantes, os dados quanto à violência de gênero são ainda mais impactantes. A investigação realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013) apontou que, entre 2009 e 2011, do total de mulheres assassinadas, 61% eram negras. O grupo foi apontado como a principal vítima em todas as regiões do país, com exceção da região Sul. Já o “Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres”, realizado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais (FLACSO), que investigou os casos entre 2003 e 2013, concluiu que neste período o número de mulheres brancas vítimas do feminicídio caiu 9,8%, enquanto o índice de mulheres negras assassinadas aumentou em 54,2%.  Ou seja, a violência de gênero também é construída por meio dos marcadores raciais, atingindo as mulheres negras e brancas de modo totalmente desproporcional.

Nós, do FOPIR, alertamos para a gravidade da condição das mulheres negras na sociedade brasileira. É preciso desenvolver ações para resguardar e promover os direitos sociais deste grupo, especialmente nos âmbitos do mercado de trabalho, educação e políticas públicas. Para o FOPIR, é necessária e urgente a transformação da condição da mulher negra, não somente por melhorar as circunstâncias particulares deste grupo, mas, sobretudo, por se constituir num passo fundamental para a efetivação da justiça social e da democracia no Brasil.